Em algum momento da vida, somos declarados capazes de cuidar de nós mesmos.
Isso quer dizer que agora podemos escolher, pensar, argumentar por conta própria. Pelo menos, é o que dizem.
O problema é que a gente esquece, ou prefere não enxergar, que muitas dessas escolhas acontecem sem que a gente perceba. Vêm do inconsciente, das imagens que nos cercam, das ideias que grudam como chiclete. Ser maior e capaz não significa, necessariamente, ter um juízo perfeito.
Quando essa tal “capacidade” desperta em nós, viramos adolescentes. A primeira reação é começar a duvidar das regras, principalmente daquelas que parecem querer nos proteger demais. Regras chamadas de paternalistas, que existem para nos livrar das consequências das decisões que, com toda a segurança do mundo, afirmamos estar prontos para tomar.
Um exemplo? O Código de Defesa do Consumidor.
“Poxa, eu sou maior de idade, já tomo cerveja, posso votar, fazer tatuagem. Será mesmo que preciso de um código para me defender?”
Tem gente que diz que essas leis atrapalham a livre iniciativa, o livre mercado. Pode ser verdade, assim como uma loja no centro da cidade que vende bomba caseira também atrapalharia. Nem tudo que se pode vender deve ser vendido.
Será que a livre iniciativa deve ser valorizada a ponto de derrubar todos os outros princípios?
Afinal, dizem que a escolha é sua. Você decide com quem negocia, o que consome, no que acredita. Você é livre.
Mas será mesmo?
Dias atrás, meu marido foi sozinho ao mercado. Voltou com vários itens que não precisava. Entre eles, uma frigideira que frita quatro ovos ao mesmo tempo. Perguntei para quê.
Ele não soube responder. Eu quase não como ovo frito, e já temos uma frigideira que frita exatamente um.
Mais tarde, ele explicou.
“Estava passando e vi uma propaganda de café da manhã com ovos e bacon. Me deu fome. Aí comprei.”
Nosso poder de decisão é vulnerável. À fome, à propaganda bem-feita, ao impulso de satisfazer uma vontade passageira. A nossa autonomia, nossa capacidade de escolha, tem esse dom: nos fazer acreditar que precisamos de algo que, na verdade, não precisamos.
No caso da frigideira, tudo bem. Foi só um capricho. Nenhum dano.
Mas e quando a impulsividade mistura-se com escolhas que têm consequências sérias?
Você se casa no auge da paixão. Jura que é pra sempre, diz que tudo que é seu também é do outro. Seis meses depois descobre que não era bem assim. E agora precisa enfrentar um divórcio complicado, dividir bens que jamais imaginou dividir, se ao menos tivesse parado para pensar com calma.
Ou então, quatro amigos da faculdade resolvem abrir um negócio juntos. Estão certos de que vão mudar de vida. Ignoram todos os avisos porque, afinal, são adultos, responsáveis, maiores e capazes. Investem tudo o que têm. E depois descobrem que empreender não é tão simples quanto parecia naquela conversa animada no bar.
Nossa autonomia privada é testada a todo instante no ambiente digital, por exemplo.
Acabei de comprar um livro na Amazon. Minutos depois, começaram a pipocar sugestões de outros títulos do mesmo autor, do mesmo tema, do mesmo estilo. Era como se alguém soubesse exatamente o que eu estava prestes a desejar antes mesmo de eu pensar no assunto.
Esses exemplos servem para mostrar que a liberdade é fundamental, sim, mas é um erro acreditar que ela vem sempre acompanhada de um raciocínio claro, estratégico e imune a influências.
A verdade é que decidimos menos do que imaginamos.
E para se proteger dessas armadilhas do impulso, dessas pressões invisíveis que contaminam o nosso juízo, existe algo simples, mas poderoso:
O contrato.
É ele que entra em cena quando a empolgação tenta atropelar o bom senso.
O contrato é quem define regras que protegem seu interesse. É quem preserva o seu dinheiro, o seu tempo, o seu esforço. É quem segura sua mão na hora em que você está prestes a fazer mais uma daquelas escolhas mal escolhidas que acontecem todo dia, sem aviso.
Em tempos de decisões apressadas e promessas vendidas em vitrines digitais, ter um contrato é quase como andar com um guarda-chuva dentro da bolsa num dia de sol. Pode parecer exagero, até o momento em que começa a chover.
A liberdade é bonita, mas é cheia de armadilhas.
E talvez seja por isso que certas leis existem. Por isso temos o contrato.
Não para nos prender, mas para lembrar que até os mais crescidos ainda tropeçam. E que, muitas vezes, a maturidade só chega depois da queda.