A presença do amor não justifica a ausência do contrato.
A fragilidade das relações não escritas.
Ela se chamava Cláudia.
Hoje responde por um CPF, um protocolo judicial e um silêncio que ninguém mais tenta preencher. Antes, era o tipo de mulher que acreditava no olhar, no toque, na presença.
Acreditava que amar era mais do que assinar. Que o papel era frio, e o sentimento, quente.
Que contratos eram coisas de empresas, não de corações.
E foi assim, guiada por esse romantismo quase trágico, que dividiu a vida por dez anos com um homem que nunca achou necessário colocar o nome dela em nada.
Nem no contrato de compra do apartamento que ela ajudou a pagar, nem na conta bancária que só recebia o salário dele, nem no carro que ela dirigia todos os dias.
Ela deu tudo: o tempo, os afetos, as economias, os sonhos. Entregou os domingos de sol e os cafés sem pressa. Cuidou dele quando teve febre, comemorou as vitórias dele como se fossem dela. E, na cabeça dela, eram. Porque onde há amor, pensava, tudo é dos dois.
Tolice. Ingenuidade. Amor sem contrato é como prédio sem alicerce bonito à vista, mas desaba no primeiro tremor. E ele tremeu.
A traição não foi apenas o abandono.
Não foi apenas a nova mulher postada em redes sociais dias depois da partida. Foi também, e sobretudo, o sumiço.
Não o sumiço físico, mas o institucional. Cláudia descobriu que “não existia”. Que nunca existiu. Para os bancos, para o cartório, para o Estado, para a Justiça, ela era uma estranha.
Tentou reagir. Procurou um advogado. Entrou com uma ação de reconhecimento de união estável.
A palavra “reconhecimento” cortava mais do que consolava.
Porque não era apenas o relacionamento que precisava ser reconhecido.
Era ela.
Ela mesma, como pessoa, como presença, como mulher que amou, construiu, dividiu e agora lutava para não ser varrida da história como uma hóspede temporária na vida de alguém.
Fazem três anos. Três longos anos. Sem resposta. A ação está parada, aguardando um parecer, um despacho, uma alma caridosa do Judiciário que se digne a dizer:
“Sim, você existiu, sua história existiu.”
Enquanto isso, ela vive de salário mínimo.
Trabalha no cargo de auxiliar administrativa em uma empresa que nada tem a ver com sua formação. Enquanto ele faz fortuna com a empresa que ela ajudou a construir, mas nunca se preocupou em deixar sua marca lá.
Nunca se preocupou em provar para a justiça que ela esteve por lá.
Voltou para a casa da mãe, aos quarenta e poucos anos, com vergonha nos olhos e uma pergunta que se repete: “Como eu fui acreditar que amor bastava?”
Ela vê a nova vida dele: viagens, roupas caras, jantares, stories.
Tudo com o mesmo sorriso que um dia jurou só a ela. E a cada imagem, ela se lembra de que foi esquecida não só por ele, mas por todos os mecanismos sociais que juram proteger os que amam.
Não tem um tostão do que construiu.
Porque tudo estava em nome dele. Porque ela acreditava que o nome que importava era o do sentimento.
Mas sentimentos não deixam rastros legais. Não têm escritura, não geram herança, não seguram portas na Justiça.
E o amor, sem um contrato, é como brisa: passa, refresca, mas não fica.
A dor maior não foi o fim. Foi a indiferença com que ele agiu, como se ela nunca tivesse estado lá. E o sistema inteiro pareceu concordar.
Agora ela luta por um reconhecimento que deveria ter sido feito em vida, no calor do afeto, e não no frio das petições.
Ela acorda todo dia para sobreviver.
E espera, na fila de um Judiciário sobrecarregado, por algo que deveria ser simples: que o amor que viveu seja admitido, validado, respeitado.
Ela amou. E por ter amado demais, sem proteger-se, agora paga um preço alto.
Fernando Pessoa escreveu que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Mas ele não conheceu o INSS, nem o cartório, nem o juiz que nunca despachou a ação de Cláudia.
Nesse caso, ouso discordar de Fernando Pessoa, a afirmo:
Nem tudo vale a pena, principalmente uma relacionamento sem contrato, sem reconhecimento.
Por isso, deixo aqui uma pergunta que ecoa como o último suspiro da fé romântica:
Você vai esperar a dor te provar que o amor sem contrato pode ser o início do seu apagamento?
Faça o contrato de união estável.
Amar é também proteger quem se ama.
E quem te ama, assina.
Obs: o nome da dona da história foi alterado. Mas se, ao ler estas linhas, você sentiu que a história era sua, se o silêncio, a espera, o desamparo e a vergonha lhe soaram familiares, sinta-se à vontade para substituir “Cláudia” pelo seu próprio nome.
É isso que te espera.
Não diga que não foi avisada.
O amor pode ser cego, mas a Justiça não perdoa quem não enxerga o risco.
Você foi informada.
E, na vida real, o desconhecimento não absolve. Só condena, lenta e silenciosamente.