O juiz que queria ser Lord
Juro, não é roteiro de filme da Netflix, é o judiciário brasileiro.
Um juiz aposentado do estado de São Paulo está sendo investigado pelo Ministério Público (até aqui, um caso normal no Brasil). Mas o motivo da investigação é, no mínimo, curioso e digno da sua atenção.
Por quarenta anos, ele usou um nome falso! Nascido no interior de São Paulo, cursou uma universidade pública e, depois, foi aprovado no concurso da magistratura.
O nome “original” é José Eduardo Franco dos Reis. Mas, em 1980, aos 22 anos de idade, ele decidiu “criar” um novo nome, uma nova identidade.
Nascia então: Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield.
Sim, esse nome foi completamente inventado. E, mesmo assim, aparece na assinatura de milhares de sentenças proferidas no estado de São Paulo.
Edward fez audiências, proferiu sentenças, ouviu depoimentos, analisou provas, tudo em nome da Justiça.
Após 44 anos, a polícia descobriu a fraude, e Edward (ou José Eduardo) se tornou réu por falsidade ideológica e uso de documento falso. Ao tomar ciência do ocorrido, o Tribunal de Justiça suspendeu o pagamento da aposentadoria do Lord, digo, do juiz.
Pelo que foi apurado, o “nobre” magistrado recebia mais de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por mês.
Uma simples busca no site do TJSP revela mais de 5.000 decisões proferidas por Edward. Ele julgava ações cíveis — incluindo demandas envolvendo diversos tipos de contratos, como contratos de consumo, contratos de prestação de serviços e, também, ações de reconhecimento de união estável no âmbito do Direito de Família.
A grande questão é:
O QUE PODE ACONTECER COM ESSAS SENTENÇAS?
Na minha visão, apesar de ter usado um nome falso, o juiz preenchia os requisitos legais para o cargo: era formado em Direito e foi aprovado no concurso da magistratura. Ou seja, ele sabia (ao menos tecnicamente) o que estava fazendo.
Contudo, é possível que qualquer pessoa que se sentiu prejudicada por uma sentença dada pelo juiz que queria ser Lord possa (e provavelmente vá) tentar rever a decisão.
Nesse caso, o caos estará instaurado!
E você, se tivesse uma sentença desfavorável assinada pelo “Edward” iria recorrer dela judicialmente?
Aproveito a ocasião para relembrar a memória de Lord Byron, um gênio atormentado da poesia, que meu querido professor de Literatura, Alex Martoni, me fez conhecer profundamente.
Segundo ele:
“Lord Byron vai cair no vestibular, mas, para entender a obra, você precisa entender a vida dele!”
Spoiler: meu professor estava certo, Lord Byron deu as caras no meu vestibular.
Lord Byron, apesar de ser um Lord de verdade, possui uma certa semelhança com “Lord Eward”juiz do TIJSP, os dois tem uma tendência a contar mentiras.
Aos 5 anos, Byron chegou da escola dizendo à mãe que já sabia ler. Pegou uma folha com um poema escrito e leu do início ao fim. Sua mãe ficou surpresa, mas, ao virar a página, Byron continuou “lendo” o mesmo texto. Desconfiada, ela foi verificar e percebeu que ele havia apenas decorado o poema da primeira página.
Segundo relatos, Lord Byron era: explosivo e perigoso. Alguns ainda o classificavam como “mau”.
Não bebia menos do que 4 garrafas de vinho tinto todos os dias, pois, segundo ele, beber menos do que isso era imoral.
Sem qualquer tipo de consideração com o sentimento alheio trocava de amante como quem trocava de roupa. Tentou se casar mas se separou na primeira oportunidade. Viajou por toda Europa e deixou um rastro de corações partidos, dívidas e polêmicas.
Lutou guerras, bebeu muito, se apaixonou muito (e várias vezes), se endividou, ficou muito famoso, brigou muito, escreveu muito e morreu muito jovem.
Apesar de tudo, conseguiu tempo para se tornar um dos grandes nomes do Romantismo e influenciou poetas por todo o mundo.
Compartilho aqui um dos poemas escrito por ele, e que é um dos meus favoritos:
A Inês (tradução Castro Alves)
Não me sorrias à sombria fronte,
Ai! sorrir eu não posso novamente:
Que o céu afaste o que tu chorarias
E em vão talvez chorasses, tão somente.
E perguntas que dor trago secreta,
A roer minha alegria e juventude?
E em vão procuras conhecer-me a angústia
Que nem tu tornarias menos rude?
Não é o amor, não é nem mesmo o ódio,
Nem de baixa ambição honras perdidas,
Que me fazem opor-me ao meu estado
E evadir-me das coisas mais queridas.
De tudo o que eu encontro, escuto, ou vejo,
É esse tédio que deriva, e quanto!
Não, a Beleza não me dá prazer,
Teus olhos para mim mal têm encanto.
Esta tristeza imóvel e sem fim
É a do judeu errante e fabuloso
Que não verá além da sepultura
E em vida não terá nenhum repouso.
Que exilado – de si pode fugir?
Mesmo nas zonas mais e mais distantes,
Sempre me caça a praga da existência,
O Pensamento, que é um demônio, antes.
Mas os outros parecem transportar-se
De prazer e, o que eu deixo, apreciar;
Possam sempre sonhar com esses arroubos
E como acordo nunca despertar!
Por muitos climas o meu fado é ir-me,
Ir-se com um recordar amaldiçoado;
Meu consolo é saber que ocorra embora
O que ocorrer, o pior já me foi dado.
Qual foi esse pior? Não me perguntes,
Não pesquises por que é que consterno!
Sorri! não sofras risco em desvendar
O coração de um homem: dentro é o Inferno.
Lord Byron
Até a próxima!